Rethalhos Culturais

CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DE BENS CULTURAIS

15 setembro 2015

A digitalização a serviço da documentação da conservação



Link para o texto original: http://www.cool.conservation-us.org/jcms/issue7/0111Moore.pdf Acessado em: 06.9.2015.

Algumas questões devem ser consideradas e levadas em conta como irão ser feitas antes das instituições de conservação adotar um equipamento e um software. O profissional de conservação poderá se beneficiar da digitalização da documentação usando softwares como bancos de dados e equipamentos, como câmeras digitais e scanners. A tecnologia digital fará a documentação e a conservação mais facilmente acessível, em custo/ beneficio, aumentando a consistência e a precisão dos dados gravados reduzindo os espaços de armazenamento físico. A principal desvantagem para digitalização na conservação é a manutenção de acesso à informação para o futuro; o ritmo da mudança da tecnologia tem sérias implicações na recuperação de dados a partir de qualquer meio de leitura por máquina.

Quais tecnologias podem ser utilizadas na documentação da conservação

Digitalização:
  • Processo de conversão de dados em um formato digital.
  • As informações estarão em formato digital quando gravadas, processadas e armazenadas por meios relacionados com a informática em código binário (como 0s e 1s).
  • Um dos principais métodos de conservação de documentação, textual e visual.
  • Com os computadores tornar-se muito mais fácil escrever e editar relatórios, bem como gerenciar informações contidas em bancos de dados (Sayre, 1986);
  • As três principais ferramentas tecnológicas que estão sendo usadas atualmente são bancos de dados, câmeras digitais e scanners.

Bases de dados ou metadados:
  • Podem ser basicamente definidos como "dados que descrevem os dados", ou seja, são informações úteis para identificar, localizar, compreender e gerenciar os dados, geralmente uma informação inteligível por um computador.
  • O tipo de banco de dados que estamos mais familiarizados é o formulário que pode ser acessado e manipulado por software de computador onde a informação está em um formato digital, por exemplo, uma tabela pode ser usada para documentar informações sobre conservadores no departamento, quando o nome de um conservador é preenchido para um novo objeto o restante das informações sobre o conservador pode ser chamado imediatamente, sem digitá-lo novamente. (Keene, 1996)
  • Os metadados para preservação visam a apoiar e facilitar a retenção a longo prazo da informação digital (OCLC/RLG, 2001).

Câmeras digitais:
  • A possibilidade de imagens instantâneas para informações sobre o estado e os relatórios de tratamento, seja armazenando no computador ou imprimindo, o que dá mais praticidade ao processo.
  • As imagens digitais podem ser visualizadas na câmera antes de serem salvas e, portanto, o conservador pode decidir se a imagem realmente mostra o que pretendia ser revelado.
  • Coma as câmeras digitais podemos fazer ampliações em imagens para ver melhor os detalhes.
  • Em “RECOMENDAÇÕES PARA DIGITALIZAÇÃO DE DOCUMENTOS ARQUIVÍSTICOS”, elaborada por especialistas do Arquivo Nacional (CONARQ) e aprovada na 53ª reunião plenária do CONARQ, realizada no dia 20 de maio de 2009, o uso de câmeras digitais implica no uso de mesas de reprodução, para a garantia do paralelismo necessário a uma boa qualidade da imagem digital gerada, além de sistemas de iluminação artificial compatíveis, necessariamente com baixa intensidade de calor e o mínimo de tempo de exposição necessário para não comprometer o estado de conservação dos documentos arquivísticos originais. (CONARQ, 2010)
  • Recomenda-se o uso de câmeras de médio e grande formato com backs digitais (foto Dispositivo de captura digital acoplado a uma câmera fotográfica dotada de conjunto óptico convencional ou hibrido.) para geração de fotografias de alta qualidade, e para a captura digital de documentos em grandes formatos como mapas e plantas. Sempre que possível, deve-se privilegiar sistemas planetários de captura (foto) para evitar riscos de manuseio dos originais a serem digitalizados. (CONARQ, 2010).




Scanners:
  • São usados para transferir uma imagem de papel existente ou documento para um formato digital, onde poderá ser manipulado usando um programa de software de imagens.

Entre os escâneres encontramos:
  • Escâneres de mesa (flat bed): Indicado para os documentos planos em folha simples e ampliações fotográficas contemporâneas em bom estado de conservação. Este tipo de equipamento não se aplica a documentos encadernados.
  • Escâneres planetários: Este tipo de equipamento utiliza uma unidade de captura semelhante a uma câmera fotográfica, uma mesa de reprodução que define a área de escaneamento e uma fonte de luz. São usados para a digitalização de documentos planos em folha simples, de documentos encadernados que necessitem de compensação de lombada, de forma a garantir a integridade física dos mesmos, bem como para os documentos fisicamente frágeis.
  • Escâneres de produção e alimentação automática: A utilização deve ser avaliada, devido a riscos de danos físicos e longevidade de documentos, usa dispositivos mecânicos e ópticos. Os documentos a serem digitalizados neste tipo de equipamento deverão obrigatoriamente passar por uma análise rigorosa de sua estrutura física, seu estado de conservação, bem como a retirada de sujidades e objetos como clips, grampos, fitas adesivas e assemelhados. (CONARQ, 2010).

Permanência de informações:
  • A Permanência de informações é feita por dispositivos capazes de gravar (armazenar) informações (dado). Um dispositivo de armazenamento retém informação, processa informação, ou ambos. Um dispositivo que somente guarda informação é chamado mídia de armazenamento. Dispositivos que processam informações (equipamento de armazenamento de dados) podem tanto acessar uma mídia de gravação portátil, ou podem ter um componente permanente que armazena e obtém dados.

Tipos de dispositivos de armazenamento e capacidades:
  • Por meio magnético, os quais compreendem os Disquetes (floppy disks) e HD’s, conhecidos como disco rígido (hard disks), os Jaz Drives, as fitas DAT, entre outros. (Disquete 3. ½" - 1.44 MB), (HD’s - 4TB)
  • Por meio óptico, os quais compreendem os CDs, DVDs, Blu-Ray etc. (Cd's – 650MB), (DVD's - 4.7 GB ou 8.4 GB camada dupla) e (Blu-Ray – 25GB/ 50GB camada dupla; 100GB/128GB -BDXL.)
  • Por meio eletrônico, memórias de estado sólido ou SSDs (solid state drive) os quais compreendem os cartões de memória e pen drives, mesmo os discos rígidos possuem uma certa quantidade desse tipo de memória funcionando como buffer. (Pen drives - 4TB), (Cartões de Memória MicroSD- 128GB)

Longevidade

  • O Armazenamento tanto por meio magnético ou ópticos geralmente é pensado para ser entre cinquenta e cem anos, desde que em condições de armazenamento adequadas, longe de imãs, alimentos, umidade e poluentes, também protegendo de desgastes.
  • No início, as práticas relacionadas com a preservação digital estavam baseadas na idéia de garantir a longevidade dos arquivos, mas essa preocupação agora está centralizada na ausência de conhecimento sobre as estratégias de preservação digital e o que isso poderá significar na necessidade de garantir a longevidade dos arquivos digitais. (ARELLANO, 2004)

Hardware e software Obsoletos
  • A velocidade da mudança tecnologica, nos aleta a preservação do patrimônio digital, ou seja, de garantir que se tenha o acesso permanente a informação do patrimônio. A informação digital só pode ser lida através de alguns tipo de máquina e tendo acesso a ela é, portanto, dependente da máquina para o funcionamento dos Programas. (Acervo Digital = Hardware + software )
  • Atualmente o período padrão de obsolescência tecnológica é entre dois a cinco anos, o que significa que manter o acesso aos dados será uma responsabilidade permanente. (Garrett, 1996). Uma diferente solução tem de ser encontrada. Profissionais acordaram que a preservação de informações digitais depende de copiá-la em vez de tentar preservar o meio.

Há duas formas principais de copiar as informações: Colheita e Migração.

Migração
A migração é definida como a transferência de informações intactas para outro suporte (Ditzler 1994). A migração é o método cuja finalidade é preservar a integridade do documento/ arquivo/ programa, fazendo uma exata cópia do mesmo na nova geração de tecnologia. Este significa que não só é os dados copiados para um novo meio mas a estrutura da informação e da maneira na qual ela está relacionada, características tais como capacidade de recuperação e relatórios, também serão transferidos intactos.

Colheita (Harvesting)
A outra maneira de copiar a informação digital envolve reformatar as informações para uso em um diferente meio. (Ditzler 1994). A colheita é feita pela reformatação das informações para um formato padrão simples. Isto pode resultar, no entanto, na perda da estrutura do documento e relacionamentos em bancos de dados, computação capacidades e telas gráficas, o que é o que tenta impedir a migração; removendo a estrutura e as relações limita o potencial analítico de documentos de investigação (Hedstrom n.d.). Mas esta maneira de preservar a informação digital é mais fácil do que a migração, colheita deve ser apenas o método de escolha quando é apenas a informação em bruto e não a estrutura e recursos de software que é importante a ser preservada.

Escolhendo e projetando um banco de dados (database)

Há certas decisões a serem tomadas por um conservador ou uma instituição antes de escolher a forma de o sistema de banco de dados.

O primeiro passo consiste em examinar as práticas atuais de documentação de levantamento das formas que são usados para as várias atividades de conservação e decidir, em consulta com os utilizadores das formas, se as formas utilizadas cumprirão as necessidades futuras (Abt, 1986).

Se os usuários solicitarem alterações às formas, em seguida, as modificações devem ser feitas, antes do software e hardware do banco de dados são escolhido.

Num determinado ponto, deve ser decidido se o sistema informatizado irá substituir completamente a documentação em papel ou continuar ao lado.

Uma questão importante a resolver é como os objetos de informações serão mantidos na base de dados.

Saber como os campos de informação serão preenchidos dentro do computador os formulários de notificação.
As decisões sobre o armazenamento terão de ser considerados antes o sistema seja concebido.

Métodos de back-up e sistemas de segurança;

Atividades devem ser pensadas para os próximos cinco, dez e vinte anos , de modo que o tipo de equipamento escolhido para executar o software seja capaz de expandir como o quantidade de documentação da conservação cresce. (Extraído de uma apresentação na 12ª Reunião Anual, Los Angeles, Califórnia, maio 1984 no Instituto Americano para a Conservação da histórico e Trabalho Artístico.)

Controle de Terminologia:

Esta é uma questão que a profissão de conservação tem vindo a discutir, pelo menos desde o início de 1980 e o controle da terminologia é ainda mais importante quando a discussão se volta para a conservação informatizada da documentação. A diversidade de procedimentos na conservação, os materiais envolvidos com os objetos e seus tratamentos é igualada pelos termos utilizados para descreve-los. A digitalização incentiva o controle da terminologia dentro do contexto de documentação; Uma ideal situação, seria que houvesse terminologia normalizada internacionalmente, as quais faria uma troca de informações e busca de documentações mais eficiente em outras instituições.

Acessibilidade

Um dos maiores benefícios da digitalização é que a informação seja mais acessível. Profissionais, interessados na informação física do objeto documentado, pode ter acesso instantâneo aos aos dados, seja por ter o registro de e-mail para ser enviada informações para eles ou se poderem pesquisar o banco de dados através da internet ou em computadores ligados em rede.

A maior reclamação por profissionais não-conservadores é que a informação da documentação é muito detalhada e específica.

Transferir as formas de documentação para um formato pesquisável juntamente com os diferentes campos de dados, deve tornar muito mais fácil para arqueólogos, gestores, educadores e pesquisadores para extrairem a informação específica que eles estão interessados.

Custos

Cada estratégia técnica de preservação e de acesso implica diferentes custos e cronogramas. A preservação digital requer recursos disponíveis permanentemente que começam a se delinear no momento da criação do recurso. Muitos materiais são criados fora dos centros de informação e das bibliotecas. Nesses casos, são os editores e outros criadores de conteúdos que devem adotar os padrões apropriados e as tecnologias que darão subsídios à preservação. Segundo Feeney (1999), “diferentemente da situação que se aplica aos livros, o arquivamento digital requer investimentos relativamente freqüentes para superar a obsolescência rápida produzida pelas mudanças tecnológicas”. Os provedores de material digital, no correr do tempo, precisam investir para criar documentação e metadados, gerando novas formas de material para manter o acesso. Esse investimento deve ser levado em consideração no momento de discutir os direitos de uso e reuso dos objetos digitais. Do mesmo modo, entre os aspectos que devem ser identificados em qualquer estratégia de preservação está a necessidade de contratação e de capacitação de pessoal. (ARELLANO, 2004)

Concluimos que:

A decisão de digitalizar registros de conservação é um passo importante para a instituição, mas que deve ser considerada com cuidado, pois as mídias utilizadas, principalmente de banco de dados, câmeras digitais e scanners, é constantemente acometida de mudanças.

A informação em formato digital é reproduzível sem deterioração dos dados, enquanto que a forma em que os dados são armazenados não é indestrutível.

As principais estratégias de preservação digital encontradas na literatura são : preservação da tecnologia, emulação, migração, encapsulamento e replicação. (CORRÊA, 2010; FERREIRA, 2006;SAYÃO, 2010; THOMAZ e SOARES, 2004)

As questões de gestão devem considerar os usuários atuais, assim como os futuros potenciais utilizadores e na documentação considerar as questões de controle de terminologia.

A digitalização na documentação da conservação tem o potencial de revolucionar a maneira com que as atividades serão relatadas, acedida, armazenada e mantida.

Tem um bom custo benefício, o espaço físico de armazenamento irá diminuir e a precisão e consistência da informação será melhorada.


Bibliografia

CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS. Carta para preservação do patrimônio arquivístico digital. Rio de Janeiro: 2004.

Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Arquivos, 2010.


FERREIRA, José Jardel Luciano. Sistemas de Informação, Dispositivos de armazenamento. Araxá/MG, 2009. Disponível em: http://jose-jardel.weebly.com/disp-armazenamento.html Acesso em: 06.9.2015.

Moore, Michelle. CONSERVATION DOCUMENTATION AND THE IMPLICATIONS OF DIGITISATION. In: Journal of Conservation and Museum Studies. Nov, 2001. Disponível em: http://www.cool.conservation-us.org/jcms/issue7/0111Moore.pdf Acessado em: 06.9.2015.

OCLC/RLG. Preservation metadata for digital objects: a review of the state of the art - a white paper. Disponível em: www.oclc.org/research/projects/pmwg/presmeta_wp.pdf>. Acesso em: 10 Set. 2015. REICH, L.; SAWYE

ARELLANO, Miguel Angel. Preservação de documentos digitais. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ci/v33n2/a02v33n2.pdf. Acesso em: 10 Set. 2015.


10 julho 2015

A FENOMENOLOGIA DE CESARE BRANDI

Cesare Brandi pode ser considerado como um dos teóricos mais proeminentes no campo da Restauração nas décadas sub-seqüentes ao pós-guerra, empreendendo inovadora reflexão acerca das premissas filosóficas e conceituais que fundamentam esta disciplina. Seu pensamento, entretanto, é tributário à tradição clássica da filosofia, não mencionando diretamente na extensão de sua obra todo debate precedente realizado em mais de um século dentro do próprio campo disciplinar do Restauro. Neste sentido, sua teoria apresenta um enraizamento notavelmente fenomenológico, responsável em parte pela novidade de sua abordagem. Neste artigo objetivamos apresentar brevemente os principais conceitos derivados desta compreensão fenomenológica do restauro, em específico sua temporalidade e historicidade.

04 maio 2015

A lição de Cesare Brandi: Teoria e Crítica de restauração

Link:

A lição de Cesare Brandi: Teoria e Crítica de restauração

03 setembro 2014

Preservação Digital V. 41, n. 1 (2012)

Portal de Periódicos do Ibict


A Revista P2P & INOVAÇÃO é uma publicação semestral, vinculada ao Grupo de Pesquisa Economias Colaborativas e Produção P2P no Brasil do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT. Este periódico tem como missão oferecer um espaço de reflexão e debate sobre as mais diversas experiências de produção colaborativa entre pares, tendo em vista especialmente seu caráter de inovação nos âmbitos cultural, social e político.


EDITORIAL:

19 junho 2013

A Restauração em foco: entre mitos e realidades Karen Velleda Caldas

Os cânones da conservação-restauração tiveram suas estruturas abaladas após a publicação Teoría Contemporánea de la Restauración, de Salvador Muñoz Viñas. Professor titular e atual diretor do Departamento de Conservação e Restauração da Universidade Politécnica de Valência, na Espanha, o autor empreendeu uma ousada discussão sobre os paradigmas - quase dogmas - dessa área da preservação do patrimônio cultural. Graduado em belas artes, PhD pela Universidade de Harvard e prêmio de pesquisa Luis de Santángel, foi o primeiro espanhol a receber o título de Fellow do International Institute for Conservation of Historic and Artistic Works (IIC) em reconhecimento por suas obras sobre teoria da restauração. Essa designação é a categoria máxima que a organização, formada por milhares de membros em mais de cinquenta países, outorga aos profissionais especialmente reconhecidos no campo da conservação.
O texto, publicado por Muñoz em 2004, alcançou repercussão internacional e faz parte das bibliografias recomendadas – e necessárias - para os pesquisadores ou interessados no tema da preservação patrimonial. Nesta obra realiza uma análise profunda das teorias da restauração – as quais denomina “clássicas” - de modo a atualizar à contemporaneidade o que os teóricos preconizaram e consolidaram como regras e verdades ao longo dos dois últimos séculos.
Muñoz organiza o texto em três partes, além da introdução e de uma densa conclusão. Na primeira, identifica os fundamentos da restauração, seus conceitos, contextualizando-a do ponto de vista cultural. Já neste momento começa a desvendar as inconsistências e os limites mal definidos de uma teoria e prática conflituosas, desenhando o universo de o quepara que epara quem se preserva. Em uma palavra, o desiderato da ação restauradora.
Seu estudo indica que duas correntes dominantes orientaram grande parte das intervenções nos bens culturais nos últimos cem anos: uma inclinada para valores estéticos e outra para preceitos científicos. Sustenta que as teorias clássicas apresentam-se limitadas para o escopo atual da cultura, considerando que nem todos os objetos sujeitos ao restauro são obras de arte, bem como os motivos que levam a restauração desses bens podem relacionar-se a outros valores além do histórico e do artístico – sejam estes ideológicos, afetivos, religiosos, etc. - não sendo, portanto, inerentes ao próprio objeto nem, tampouco, cientificamente quantificáveis
Na segunda parte, Muñoz faz uma crítica aos conceitos clássicos sustentada em diversos autores da atualidade: princípios como autenticidade, objetividade, reversibilidade e ciência aplicada são colocados em xeque frente a uma realidade contemporânea que exige novos referenciais teóricos capazes de dialogar com a prática da restauração de modo efetivo.
O autor muda o olhar, antes direcionado ao objeto e sua materialidade, para a função e o significado que esse objeto representa em relação a seus grupos de pertencimento. Não obstante, questiona vários paradigmas da teoria da restauração, especialmente aqueles oriundos da teoria do italiano Cesare Brandi, publicada em meados do século XX. Critérios legitimados como mínima intervenção, distinguibilidade e reversibilidade, referências ainda fundamentais na justificativa das ações interventivas, são discutidos à exaustão. Partindo dessa análise minuciosa, o texto faz uma crítica explícita aos conceitos clássicos, apresentando a teoria contemporânea como alternativa para suprir suas limitações. Traz à discussão a necessidade de adoção de uma ética mais democrática e menos aristocrática a fim de que a restauração atenda a mais sensibilidades e contemple o maior número possível de formas de entender o objeto e atender equilibradamente a todas as suas funções e usuários.
No que se refere à ciência a serviço da conservação-restauração, o teórico sustenta que esta informa, mas não justifica as decisões que são tomadas na seleção de um determinado estado dos bens patrimoniais, logo, o restauro científico seria insuficiente para atender ao contexto contemporâneo da restauração. A objetividade - fundamento da abordagem científica - prevalente a partir do final do século XX, seria substituída, na teoria contemporânea, por uma forma de subjetivismo. Assim, Muñoz Vinãs adverte que as razões pelas quais se restaura e a seleção das coisas que se restauram são decisões culturais, antes de iniciativas de caráter estritamente técnico. Dentro da discussão da ciência a serviço da restauração, o autor apresenta também o conflito conceitual do critério da reversibilidade, substituído na teoria contemporânea pelo termo retratabilidade. O autor legitima a expressão, que, embora ainda se apresente restrita, traz consigo um considerável avanço para a matéria, pois ao menos demonstra os problemas teóricos que a ideia de reversibilidade carrega - e a necessidade de adaptação que exige por parte de quem os interpreta.
A terceira e última parte, que abrange a ética na restauração, aponta as modificações promovidas pela filosofia social no âmbito da cultura e na maneira como a sociedade passa a se comportar na medida em que reconhece sua diversidade. O autor admite que os conceitos subjetivos emergentes do atual endendimento de cultura produzem efeitos também na restauração, área que exige contínuas e bem sustentadas tomadas de decisão.
Nesse ponto talvez resida o principal avanço da teoria contemporânea da restauração, pois esta coloca o diálogo, a interdisciplinaridade e a sustentabilidade como caminhos fundamentais a fim de que as escolhas atendam mais satisfatoriamente a um maior número de sensibilidades. O autor expressa claramente essa ideia na na página 104 ao afirmar que “cualquiera que sea el momento de la historia del objeto que se escoja como estado de verdad, [...] al que el restaurador pretende devolver el objeto restaurado, se está haciendo una elección [...] que tiene inevitablemente um carácter [...] subjetivo”. O debate interdisciplinar com vistas à sustentabilidade, entendida por Muñoz num sentindo que vai além da possibilidade econômica de manutenção das intervenções, diminuiria o risco de excessos cometidos por profissionais que ele nomeia como peritos da verdade.
Muñoz afirma portanto, que o caráter subjetivo da conservação-restauração deve prevalecer sobre os aspectos objetivos de busca de verdades pois avalia que o que caracteriza a restauração não são suas técnicas ou instrumentos, mas sim a intenção com que se fazem as ações. Em suma, ela não depende do que se faz e sim para que se faz. Não obstante, o estudo destaca como essencial o caráter simbólico da restauração, cujos objetivos e limites estão vinculados à manutenção e recuperação dessa capacidade - sendo esta a diferença de outras atividades similares como reparação, repinturas ou remendos. Seguindo seu raciocínio, a teoria contemporânea da restauração oferece ferramentas conceituais mais flexíveis e adaptáveis para o sentido comum de todos os envolvidos com o bem cultural. Ainda nessa terceira parte apresenta, criticamente, os limites da teoria contemporânea da restauração, fazendo uma provocação a novas discussões, como o argumento de genialidade e os riscos de banalização.
Além das discussões teóricas o texto reconhece que a teoria contemporânea já existe. Contudo, ela se apresenta de forma difusa, muitas vezes expressada de forma paralela ou implícita, tratando-se de um conjunto ainda fragmentado, embora muitas das ideias que a sustentam tenham sido concebidas por Riegl no início do século XX. Partindo da percepção de um fio condutor, o autor sistematizou esse pensamento, conferindo-lhe um sentido orgânico, o que não significa assumir que representa uma recomplilação do trabalho de outros autores. Longe disso. A reflexão de Muñoz e o modo como organiza o pensamento resultou em inúmeras contribuições pessoais, o que confere a seu texto uma parcialidade indiscutível.
Em que pese ser um texto teórico, a linguagem do autor ao longo de suas 205 páginas é clara e simples: Salvador Muñoz Viñas tem um estilo irônico e sarcástico - quase literário, porém, sem excessos que comprometam a profundidade de sua reflexão. Trata-se de um conteúdo denso de natureza acadêmica. Contudo, a forma como o texto é abordado pelo autor torna-o atrativo para diferentes públicos. É leve e estimulante à discussão – objetivo intrínseco da obra – sendo igualmente relevante para profissionais e pesquisadores envolvidos na rede complexa de princípios e conceitos que subjazem à “arte” da restauração.
As discussões sobre preservação do patrimônio ganham outros contornos e significados a partir da leitura de Salvador Muñoz Viñas. Além da qualidade textual, o autor presenteia os leitores com uma bibliografia comentada que acende o interesse por aprofundar ainda mais o estudo sobre a restauração. Em verdade, o texto é um banquete provocativo, e como tal, merece ser degustado com muita atenção. Trata-se de uma obra rica e reconhecida como uma das mais inovadoras sobre o tema, considerada leitura obrigatória para os envolvidos com a área da preservação do patrimônio. Os inquietos e com fome de novos saberes, certamente farão bom proveito.

sobre a autora
Karen Velleda Caldas é mestranda do Programa de Pós Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas na linha de pesquisa Patrimônio e Cidade, graduada em Conservação e Restauro pela mesma Universidade e em Comunicação Social pela UCPel. Pesquisa temas relacionados às teorias da restauração e integra projeto que pesquisa a memória e o patrimônio da arquitetura pelotense.

Fonte: VITRUVIUS, Em http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/12.138/4765 acessado dia 19/6/2013 as 14:00h, 

14 junho 2013

Inovação em Conservação "Você pode pensar em uma maneira melhor para revolucionar a conservação?"

Criatividade consiste em grande parte de rearranjar o que sabemos, a fim de descobrir o que não sabemos ... Assim, para pensar criativamente, devemos ser capazes de olhar de novo para o que normalmente tomam por concedido.
Robert Fisher



  Quinze anos atrás, quando eu estava estudando conservação na universidade uma das coisas que eu mais gostei foi descobrir novos dispositivos e aparelhos e descobrir como eles podem ser úteis no meu trabalho. Eu costumava procurar ansiosamente catálogos de equipamentos em vários campos, tentando encontrar novos usos para essas "ferramentas de aparência estranha". Olhando para trás, percebo agora que eu, basicamente, uso as mesmas ferramentas antigas, sinto um pouco de decepção pela falta de inovação no nosso campo.
   Eu não estou dizendo que nada mudou na conservação. Estou bem ciente do enorme avanço que a ciência trouxe para o nosso campo, como melhores técnicas analíticas e de imagem digital. No entanto, estes têm sido, como sempre, emprestado de outros campos, como a física e a indústria  química. Quando pensamos em inovação na conservação, o mais recente equipamento científico vem a mente, mas na verdade para o nosso trabalho prático e imediato, as ferramentas que precisamos são muito mais simples.
  No nosso dia-a-dia de treinos nos encontramos, utilizando as metodologias mais conhecidas, porque sentimos que elas são os mais seguras. Podemos estar trabalhando contra o relógio, preso em uma rotina diária, apenas movendo sem pensar muito. Eu acho que é mais uma questão cultural nossa, sendo usuários em vez de fabricantes e, como em todos os assuntos culturais, isto também pode ser alterado. Veja o exemplo de Jeff Peachey, encadernador e conservador privado, que é um dos poucos profissionais que eu conheço que gosta de inventar. Se o conservador praticando vai mudar a sua mentalidade para encontrar uma maneira melhor de fazer o mesmo trabalho, então temos que definir o caminho para a inovação. Inovação não depende a última moda tecnológica ou no acesso a equipamentos científicos caros. A inovação não precisa ser high-tech. Ela só tem que servir a um propósito de uma maneira melhor do que antes.
  Um exemplo de referência para o nosso campo pode ser que do Movimento Makers (fabricantes). Este movimento está surgindo a partir da cultura do-it-yourself (faça você mesmo), mas longe de ser simples amadores, estes fabricantes transformar suas idéias em realidade, às vezes com um propósito comercial, mas na maioria das vezes para a diversão de trazer ao mundo algo físico que imaginou. Eles podem literalmente criar qualquer objeto, desde o mais ridículo ao mais interessante. A clara vantagem dessa cultura é que eles são movidos pela criatividade e objetivos, não apenas por aquilo que eles aprenderam como nós, conservadores, muitas vezes são.
  Este movimento foi recentemente chamado de "nova revolução industrial", porque tem poderes do indivíduo com a capacidade de produzir o que até bem pouco tempo era apenas o poder de fábricas. Tomemos, por exemplo, o caso das impressoras 3D: como impressoras 2D revolucionou a editoração eletrônica, assim será impressoras 3D mudar para sempre a forma como criamos objetos. Você já imaginou o seu potencial para a conservação? Ou olhar para tecnologias muito menos complexas, como o Dino-Lite (http://www.dinolite.com.br/ ), o famoso microscópio portátil digital.
  Apesar de suas limitações, é muito útil em nosso campo, mas se você pensar sobre isso, você vai perceber que tecnologicamente é muito básico, não muito longe de um simples brinquedo: uma webcam, uma lente de plástico e alguns LEDs. Todos estes são baratos peças off-the-shelf que podem ser facilmente montados para se tornar uma ferramenta de grande utilidade.
  Claro, eu não espero que deve vir tudo com grandes invenções, mas apenas prestar um pouco mais atenção às coisas que fazemos diariamente e tentar melhorá-las. Nem todas as invenções são necessariamente tecnológica: encontrar uma maneira de reduzir o desperdício, para tornar a conservação mais respeitadora do ambiente, para desenvolver melhores bisturis ou melhor morteiros já seria de grande ajuda. Por último, mas não menos importante, quando você descobre alguma coisa, certifique-se de compartilhá-la com o mundo, dar esse passo que contribui para o avanço do nosso campo.
  E imaginem, podemos adotar e implementar esta forma inovadora de pensar em nossas universidades, começando com a primeira fase de nossas carreiras. Você pode pensar em uma maneira melhor para revolucionar a conservação?

Rui Bordalo,
Redator-chefe
* Tradução do editorial da revista e-conservation (texto original: http://www.econservationline.
com/content/view/1090 ).



Carta de Pelotas, março de 2013*.

Sobre a conservação e restauro de bens culturais no Brasil


  O Conservador-restaurador é um profissional que trabalha para apreservação de bens culturais que se revestem de características simbólicas, o que lhes atribui valor cultural, além do valor financeiro que é presente em muitos desses objetos. A própria especificidade da atuação profissional do Conservador restaurador justifica a sua importância e razão social de ser: ao operar sobre objetos que têm essas diversas dimensões de significado e valor social, objetivando a manutenção da sua existência, o Conservador-restaurador contribui para a preservação da memória social.
  Por esses motivos o Conservador-restaurador já tem o seu reconhecimento estabelecido em diversos países. No Brasil, apesar de algumas instituições e profissionais contribuírem para a divulgação da imagem do Conservador-restaurador, ainda se constata muito desconhecimento por parte da sociedade, de maneira geral, de modo que nem sempre os conservadores-restauradores são considerados ou lembrados como os profissionais habilitados para exercerem aquilo que deveriam fazer - a gestão da memória por meio da conservação e restauração dos bens culturais.
  Nos últimos anos o Brasil presenciou algumas mudanças aceleradas no campo da conservação e restauro dos bens culturais. Dentre elas, destaca se o avançado estágio do processo de regulamentação da profissão de Conservador-restaurador e o surgimento dos cursos de graduação nesta área, em instituições públicas e privadas. Nesse novo contexto, antigas demandas da área são fortalecidas, ao mesmo tempo em que outras passam também a ocupar o espaço de reivindicação coletiva dos agentes que lutam pela consolidação da área da conservação e restauro no Brasil.
  A partir desse contexto, os participantes presentes na 1º Semana de Conservação e Restauro realizada pela Universidade Federal de Pelotas em março de 2013, entenderam ser fundamental que o processo de regulamentação da profissão do Conservador-restaurador seja finalizado o mais rápido possível, considerando os riscos pelos quais passa o patrimônio cultural, a exemplo de alguns tristes acontecimentos que foram noticiados em escala mundial e que já são históricos, tais como a suposta restauração de uma pintura sacra ocorrida na Espanha, realizada pela senhora Cecilia Giménez, o que implicou na provável destruição da obra original.
  Dessa forma, durante este evento a temática do necessário fortalecimento da área da conservação e restauro foi debatida com a participação de estudantes de cursos de graduação em conservação e restauro de instituições brasileiras, professores, profissionais atuantes e demais apoiadores da área, de modo a identificar as questões importantes para a área e elencá-las no presente documento. Os elementos que compõem esta Carta de Pelotas foram discutidos e entendidos como de fundamental importância para a qualificação e consolidação da área da conservação e do restauro de bens culturais no Brasil e estão enumerados a seguir:

- O Conservador-restaurador é um profissional que poderá priorizar a conservação ou o restauro em sua atuação profissional. No entanto, as decisões devem ser tomadas respeitando os princípios éticos da profissão e considerando o horizonte de expectativas dos grupos que detêm a posse de um determinado bem cultural. Será no trabalho em equipe, e considerando as características em que se encontra o bem cultural, que deverá se estabelecer uma metodologia de ação, sempre pensando de forma integrada a conservação e o restauro como atividades que compõem um mesmo campo epistemológico e profissional. Assim sendo, é fundamental que se perceba a abrangência da atuação do conservador-restaurador e que se compreenda que o trabalho interdisciplinar não descaracteriza as especificidades da área.

- O trabalho com o patrimônio imaterial requer conhecimentos a respeito das especificidades dessa tipologia patrimonial, na medida em que o Conservador-restaurador precisa operar com objetos que compõem esse
patrimônio e deve respeitar a dimensão memorial destes objetos. Assim, os conceitos que normalmente são utilizados para o patrimônio tradicionalmente dito material, devem ser utilizados com um necessário cuidado com as especificidades dos objetos que compõem parte do que se compreende como patrimônio cultural imaterial.

- Considerando os aspectos éticos da profissão, na medida do possível o Conservador-restaurador deve publicizar os resultados do seu trabalho, visando a transparência de sua atividade profissional, sem que isso prejudique a segurança e a integridade do bem cultural e do seu proprietário, ou mesmo da instituição a qual o mesmo pertence. Congressos de área, promovidos por instituições de representação de classe, instituições culturais, universidades ou outros, são meios adequados para a socialização dos resultados e dos conhecimentos obtidos com trabalhos de conservação e restauro, e reforçam a importância social do Conservador-restaurador.

Os conservadores-restauradores do Brasil e os estudantes da área devem se unir e permanecerem atentos frente ao desconhecimento ou desvalorização da profissão, objetivando também a luta pelo efetivo reconhecimento da profissão. Nesse sentido, é importante que a categoria se manifeste frente a algumas situações listadas a seguir:

- Estágios curriculares realizados por estudantes de cursos de Conservação e Restauro devem respeitar a legislação vigente, como forma de reforçar o processo de consolidação da área no país, do mesmo modo que a condução dos estágios não pode retirar espaço de atuação dos profissionais estabelecidos no mercado. Assim sendo, é fundamental que as instituições culturais e de ensino conduzam esses estágios com responsabilidade. Os estágios curriculares são integrantes dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação, sendo experiências formativas e de aprendizado. Dessa forma, os estudantes devem obter, através de seu estágio, uma experiência de aprendizado e não a responsabilidade de substituir profissionalmente um conservador-restaurador devidamente habilitado.

- É urgente e necessário que se estabeleçam diretrizes curriculares nacionais para cursos de graduação em Conservação e Restauro de Bens Culturais. Na medida em que diversos cursos têm surgido no país, a falta de diretrizes específicas para essa área de formação não contribui para a consolidação desta área.

-Os conservadores-restauradores são os profissionais habilitados para exercerem ações de conservação e restauro de bens culturais. Na relação com outras áreas do conhecimento é fundamental que sejam resguardadas e respeitadas essas atribuições da profissão. Nessa perspectiva recomenda-se que estudantes e profissionais se mantenham atentos a editais de concursos e processos de seleção, de modo que os sujeitos devidamente habilitados para trabalhar com a conservação e restauro de bens culturais tenham acesso a esses processos seletivos e que se resguarde a especificidade dessa habilitação para postos de trabalho na área.

O presente documento coloca-se como uma ferramenta para respaldar ações políticas e encaminhamentos dos profissionais da área, tendo sido aprovado pelos presentes, somando-se aos demais documentos equivalentes que têm como objetivo comum o crescimento e a consolidação da área da conservação e restauro de bens culturais no Brasil.

Pelotas, março de 2013.

*Carta redigida durante a 1° Semana de Conservação e Restauro da UFPel

07 junho 2013

PEQUENO RESUMO DA HISTÓRIA DA CONSERVAÇÃO/ RESTAURAÇÃO


Os antigos gregos já priorizavam a conservação de suas obras, praticando a Conservação Preventiva, pois faziam a seleção de materiais e técnicas para a execução de suas esculturas e pinturas. Os templos tinham o papel dos museus, onde as esculturas e outras peças eram inventariadas e as esculturas arcaicas eram enterradas. A Restauração era praticada para recompor partes de peças que eram danificadas pelas guerras e roubos.
Na Roma antiga, a prática do colecionismo indicava poder social e político. As coleções eram privadas, e as obras eram modificadas ao serem obtidas. Faziam-se cópias e reproduções e praticavam-se intervenções drásticas, como a transposição de pinturas murais para painéis de madeira. Os romanos, pela dominação territorial extensa, absorveram várias culturas e religiões, modificando-as. Buscavam a imortalidade da matéria. Devido a isso, a restauração era vista como magia, pois o restaurador era aquela pessoa especial que dava vida à obra através do realismo obtido pelas intervenções. O restaurador tinha cargo público: curator statuarum.
Na Idade Média, a Conservação/Restauração estava ligada à recuperação de materiais. A pobreza e a falta de matéria-prima levavam à destruição de monumentos e à refundição de esculturas e peças de metal; buscavam-se recuperar pedras e peças de monumentos abandonados; os templos, termas e teatros serviam como canteiros de obtenção de mármores; fragmentos e esculturas inteiras de mármores eram queimados para a fabricação da cal utilizada na argamassa. As obras sofriam intervenções “utilitárias” ou de gosto, e o restaurador era considerado o artista, pois as “corrigia”.
Inicia-se então um grande desenvolvimento de técnicas e do fazer artesanal, com o qual aparecem os primeiros tratados técnicos, fruto das experiências dos monastérios, como o Libro Del Arte, de Cenino Cennini (séc. XIV), sobre técnicas pictóricas.
Com o Renascimento, a Restauração fez prevalecer a instância estética sobre a histórica, através de inserções e renovações que mudam o significado iconográfico das obras: há uma busca de avanços tecnológicos e emprego de materiais distintos dos do original mas com o intuito de depois igualá-los através de pátinas; há presença de um colecionismo conservador e recuperador, motivado pelo gosto classicista; surgem falsificações através de intervenções que se aproximam do original, e são motivadas pelo gosto dos antiquários; ocorrem modificações no tamanho e formato das obras, devido à mudança de gosto e também às trocas de coleções, assim como, nas imagens, por meio de transformações mais realistas e também pelas mudanças de fundos; as intervenções relacionadas à religião alteram as obras por razões de culto, seja para valorizar o santo ou para substituí-lo por outro cuja devoção fosse mais atual; imagens consideradas indecentes são destruídas; imagens religiosas com grandes lacunas são queimadas em nome do respeito; proíbem-se as imagens de nus, nas quais são colocados vestidos e “panos de pureza”.
No Barroco, a Conservação/Restauração adquire um caráter mais específico devido à definição, pelo mercado, das diferenças entre artista e restaurador; buscamse novos materiais, técnicas e teorias sobre as possibilidades e os limites da restauração da matéria e sobre o valor histórico e cultural das obras; ocorrem avanços nas técnicas de restauração dos suportes e de limpezas; as transposições e marouflages passam a ser amplamente utilizadas; valorizaram-se a pátina do tempo; há uma difusão de produtos devido aos receituários; a reintegração cromática é realizada, de forma ilusionista através de repintura com os mesmos materiais do original; esculturas são complementadas e patinadas; iniciam-se uma busca por materiais reversíveis, e continuam as mudanças formais e de tamanho, de acordo com o gosto da época.
No final do século XVIII e no século XIX, com o Classicismo, a Conservação/Restauração vincula-se ao sentimento de patrimônio cultural coletivo: criam-se museus e academias; controlam-se as intervenções nas obras; as coleções são abertas ao público, e os museus adotam políticas pedagógicas” em relação aos visitantes; surge a definição de museu: “local onde se guardam várias curiosidades pertencentes às ciências, letras e artes liberais”.
Na pintura, buscam-se materiais mais estáveis, experimentando-se diversos aglutinantes, com preferência para as têmperas e encáusticas, pelo seu não-amarelecimento e não-escurecimento; há uma maior compreensão sobre as alterações das cores devido ao tempo e sobre a instabilidade de determinados pigmentos como o azul da Prússia; surgem novos pigmentos brancos, como o branco de zinco que substitui o branco de chumbo; a cera é usada, na frente e no verso da pintura, como camada de proteção contra umidade; iniciam-se os estudos sobre a oxidação dos materiais; inspetores do Estado controlam os trabalhos dos restauradores e classificam as obras de acordo com as suas deteriorações; produtos corrosivos deixam de ser utilizados, dando-se prioridades às cores; realizam-se reentelamentos, limitam-se as reintegrações cromáticas somente às lacunas, proíbem-se a eliminação de partes do original e de inscrições; transposições passam a ser realizadas somente nos casos de obras muito danificadas; o restaurador não pode levar cópias ou qualquer trabalho para seu ateliê e a circulação no local da restauração passa a ser restrita; algumas pesquisas científicas começam a ser realizadas em ateliês; novos critérios são estabelecidos, tais como, respeito máximo ao original, valorização do suporte, diminuição das transposições, reintegração ilusionista.
A Revolução Industrial traz grandes avanços tecnológicos, com a produção de materiais industrializados. Com o surgimento dos movimentos “neo”- neoclássico, neogótico -, resgatam-se movimentos antigos.
Alguns nomes consagram-se nessa época, como referência a estilos de restauração. Eugène Violet-Le-Duc, arquiteto, defende a restauração estilística, fazendo reviver o estilo neogótico; seu projeto baseia-se na busca pelo original e a perfeição formal dos edifícios deixando de lado a sua história. John Ruskin valoriza a arquitetura e seus critérios de conservação/restauração; para ele, o verdadeiro valor do edifício está nos materiais e na sua historicidade; partidário da conservação preventiva e da conservação in situ, enfatiza o papel do ambiente e da luz sobre as esculturas e talhas.
Já a Escola Italiana, partidária da restauração científica, defende a consolidação do que ainda existe, condenando a eliminação dos anexos históricos e preconizando a realização apenas de intervenções mínimas e reconhecíveis; os laboratórios de ciências instalam-se dentro dos ateliês de restauração.
No século XX os critérios e teorias sobre conservação e restauração de obras de arte são definidos. Surgem questões jurídicas na defesa do patrimônio e a regulamentação da profissão de restaurador. Com a arte contemporânea, os procedimentos e teorias da conservação/restauração são revisados.
Em 1930, iniciam-se o estudo sistemático da estrutura e a valorização da documentação; com a Segunda Guerra Mundial, destrói-se parte importante do patrimônio europeu; a Restauração sai do empirismo e busca bases científicas; são feitos estudos sobre comportamento mecânico da pintura sobre tela; o respeito ao original ganha máxima importância; a intervenção é feita de acordo com a necessidade da obra, priorizando-se a conservação; desenvolvem-se estudos sobre a influência do clima na conservação das obras de arte; aparecem conceitos como Reversibilidade, Estabilidade e Legibilidade; a Restauração passa a cuidar não só das obras de arte, mas também dos bens culturais; são criados centros e institutos internacionais como: o IRPA - Institut Royal do Patrinoine Artistique (Bruxellas,1937), o ICR - Istituto Central del Restauro (Roma, 1940), o ICOM - International Council of Museum (Paris,1946), IIC - International Institut for Conservation (Londres, 1950) e o ICCROM - Centro Internacional para o Estudo da Conservação e da Restauração (1956).
Em 1963 Cesare Brandi publica La teoria de la restauración e, em 1964, a Carta de Veneza estabelece novas regras para a restauração de monumentos.
Surgem questões jurídicas na defesa do patrimônio e a regulamentação da profissão de restaurador.
Hoje, com a arte contemporânea, novas teorias estão sendo formuladas e os estudos científicos crescem a cada dia por meio de novas tecnologias voltadas para física, química e biologia a serviço da conservação e preservação da obra de arte.
É importante ressaltar que a conservação preventiva da obra de arte é fundamental para que a mesma não chegue a sofrer intervenções de restauro.
As obras de arte também envelhecem, e desse modo, devemos sempre ter cuidados para que ela não sofra com alterações ambientais, com vandalismos e principalmente com o esquecimento.
MIGUEL, Ana Maria Macarrón. Historia de la conservación y la restauración: desde la antigüedad hasta finales del siglo XIX.”. Madrid: Tecnos, 1995.



23 outubro 2012

Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis



  • Cecor - Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis – EBA/UFMG
  • Núcleo de Conservação e Restauração – Universidade Estácio de Sá
  • Conservação e Restauro de bens culturais móveis da UFPEL.
  • Fundação de Arte de Ouro Preto – FAOP : Instituição que se dedicada à formação de profissionais aptos a atuar na preservação e conservação do patrimônio cultural brasileiro.
  • Departamento de Arte, Conservação e Restauro (DACR)  Escola Superior de Tecnologia de Tomar
  • Abracor - Associação Brasileira de Conservadores – Restauradores de Bens Culturais : Sediada no Rio de Janeiro e congrega profissionais de todas as áreas da conservação e restauração de bens culturais. Organiza cursos e eventos periódicos e procura disseminar informações por meio de suas publicações – Anais do Seminário, guias e boletins.
  • ABER -Associação Brasileira de Encadernação e Restauro : Localizada em São Paulo e foi criada em 1988. Voltada para a preservação de documentos gráficos, a ABER desenvolve, em convênio com o SENAI, um importante curso de conservação e restauração de documentação gráfica, além de outros que têm o papel como suporte.
  • CECRE  Mestrado Profissional em Conservação e Restauração de Monumentos e Núcleos Históricos – UFBA
  • CEIB - Centro de Estudo da Imaginária Brasileira
  • Portal de Conservação e Restauro
  • Patrimôniocultural.org
  • IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
  • Instituto dos Museus e da Conservação – IMC
  • Instituto Ibérico do Patrimônio
  • Institute of Conservation – Inglaterra
  • ARMOR – Paper Conservation
  • Textile Conservation Center – Inglaterra
  • AIC - American Institute for Conservation of Historic and Artistic Works
  • IIC - International Institute for Conservation of Historic and Artistic Work – Inglaterra
  • Getty Conservation Institute – EUA : Localizado em Marina del Rey, na Califórnia, atua nas áreas de conservação de obras de arte, de arquitetura e de arqueologia, oferecendo cursos, promovendo eventos e produzindo publicações, dentre as quais o boletim quadrimestral Conservación, além de trabalhos técnicos na área.
  • ICCROM - International Centre for Study of the Preservation and Restoration of Cultural Property- Itália :  Tem como área de abrangência os mais diversos tipos de bens culturais – monumentos, edifícios históricos, sítios arqueológicos, coleções de museus, documentação bibliográfica e arquivística – e sua atuação se dá basicamente em três campos: documentação, pesquisa, consultoria e treinamento.
  • ICOMOS - (International Council on Monuments and Sites – França
  • Revista Museu
  • FUNARTE Brasil : Memória das Artes
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